quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Relato Farrapos 1000 km- Jonas

Como foi fazer a séria completa até 1.000 km no primeiro ano de Audax

Por JONAS RUSCHEL
Agosto de 2009

INTRODUÇÃO
Quando um amigo falou-me que foi a França (PBP 2007) com o objetivo de pedalar 1200 km eu, a princípio, julguei-o louco. Poderia ter outra explicação para tal insanidade? Pior que tinha...
Conversando com esse “super sujeito”, no quarto trimestre de 2008, fui criando curiosidade sobre o tal de “Audax” e vasculhei vários sites sobre o assunto. Em novembro comprei uma MTB e em dezembro de 2008, com a assessoria desse meu amigo e incentivador, defini que compraria uma bike speed. Obrigado Ricardo de Araújo Pereira, pela ajuda, incentivo e amizade.
A bike speed (Sundown RS3) foi adquirida em janeiro de 2009 e já na estréia da bike (75 km na companhia do Ricardo Pereira, com conseqüente dor na bunda, pernas e demais parte de um a pseudo ciclista que só usava uma bicicleta para ir a padaria) veio o primeiro tombo “clipado”, ou seja, espera-se a bike parar para depois lembrar-se que os pés estão dentro de sapatilhas clipadas aos pedais. O mais ridículo e humilhante e ter de pedir ajuda aos demais ciclistas para conseguir desenganchar da bike.
Na seqüência descobri em uma lista de e-mail um doido convidando para treinar para o Audax 200 km de Brasília, o famoso “frita bacon”. Foi nessa ocasião que conheci o ilustre escriba, ciclista e dentista nas horas de folga Roger Ban (o Ban do Brasil, digo Rogério Bernardes). O objetivo era rodar aos sábados de madrugada das 06:00 h até 10:000 h, sempre no ritmo do mais fraco, e após voltaríamos ao ponto de partida. Logo na segunda edição do Frita Bacon (a primeira tinha sido um pedal solitário do mestre Ban) fomos premiados com a companhia da Super Nara Biker e, lógico, a quantidade de ciclistas havia triplicado nessa edição (passou de um para três ciclistas). Ver relatos em http://diariodoescriba.blogspot.com/
Passaram-se alguns dias e conheci uma lista de ciclopatas intitulados “ciclismo de Longa Distância”. Entrei em contato com um dos ciclopatas e esse, gentilmente convidou-me para participar do grupo, alegando que “o mais certinho atirava pedra em avião”. Obrigado guru Osvaldo Nunes pelo convite, incentivo e, principalmente, pela amizade. A partir deste ponto foram tantos os amigos e mentiras contadas e escutadas que encheriam umas 10 páginas e, portanto vou encurtar a história.

PREPARAÇÃO PARA O DESAFIO
Psicológica
Li numa ocasião que o Luiz M. Faccin (dublê de empresário ) escreveu que um Randonnée passa fome, sede, sono e frio. Quando lia os relatos dos ciclistas mais experientes a respeito de preparação psicológica ficava sem entender. Preparar o quê? A cabeça, o corpo ou a alma? Só fui entender um pouco de preparação psicológica após o Audax Farrapos MIL e como tem muita de gente que fala um monte bobagens e uns mais corajosos escrevem, agora chegou a minha vez....
Essa preparação psicológica, no meu entendimento, começa com a administração do stress doméstico.
É muito difícil fazer entender-se aos pais (aos felizardos que ainda os tem) e a(ao) respectiva(o) companheira(o)/namorada(o)/esposa(o) a satisfação, o sentimento de liberdade ao sair para pedalar nos finais de semana, as novas amizades conquistadas e tudo o resto. Pode ser 50, 100, 600 km, ou quem sabe 1.017 km.... As alegações são as mais diversas possíveis.
A dos pais: “tu tá ficando louco? Pra quê uma coisa dessas? Não tem necessidade...”. Bueno, sempre fui meio louco. Vocês nunca perceberam nada?
A da esposa/companheira/namorada e afins: “Já vai sumir de novo? ”A sobrecarga do lar/crianças fica toda nas minhas costas?
Depois de pedalar e pensar um pouco me surgiu a seguinte dúvida: Será que três sessões semanais de terapia não ficariam mais barato e menos estressante que andar de bike? Fico imaginado em estar deitado no divã, proseando, contando uns causos, tomando um mate amargo....o grande problema seria encontrar um psicanalista meio xucro do tipo “O analista de Bagé” (Autor Luis Fernando Veríssimo, recomendo a leitura) aí o índio estaria meio enrolado, pra não dizer coisa pior.
Continua com toda a preparação e gastos para participar de um evento tão majestoso com um Audax e encontrar uma enormidade de dificuldades em prosseguir com o desafio como pneus furados (eu não tive pneu furado durante toda a série, ou seja, foram 2.500 km sem furar pneu, mas a Érika que teve 5 ou 6 furos no Audax 300 km de Brasília, o Faccin no PBP/2007 teve vários), falta d`água, sono, fome, quebra da bike ou queda/capote (com a minha aos 65 km do Audax 200 km de Brasília). Bueno, será que é difícil pedalar mais 135 km com as costelas, braço e ombro doendo? O que será que passou na cabeça do Faccin quando a central do K7 falhou e/ou quando teve uma sucessão de furos em pleno BPB/2007? O que será que o Erich Brack fez no BPB/2007 quando, por problemas nas mãos, não conseguia mais tirar a tampa da válvula/ventil para trocar a câmara de ar? Ou a Érika ao furar o pneu pela quinta ou sexta vez, debaixo da maior chuvarada? Rezar, chorar, desistir ou persistir? Eu persisti e superarei as adversidades e, acho que os meus amigos também.

Física
Lá nos primórdios da série do Audax a preparação começou com o Frita-bacon®, passou pelo Vampirax® e chegou ao Maguilão 5.0® (http://diariodoescriba.blogspot.com/).
O Vampirax® foi uma simulação do percurso e horário do Audax 300 km Brasília (saída a meia noite e pedalamos até o sol raiar, ou seja, até espantar todos os vampiros).
O Maguilão 5.0® foi direcionado ao Brevet Farrapos MIL, haja vista que já sabíamos que a primeira perna dos MIL teria muitas subidas e seria meio espartano, coisa do gringo Faccin que gosta de uma serra. Consistia em 5 rounds composto por duas “subidinhas” básicas: a da matinha e a 8%. Foi uma verdadeira sessão de musculação e, ninguém chiou. Tá certo que foram somente três doidos que se encorajaram: RogerBan, Jander e eu. Eu fiquei com as pernas doloridas a semana inteira e não contei nada pra ninguém heeheh somente agora.
O outro treino maluco (South Lake) realizado consistia em colocar a bike no carro na noite anterior, acordar as 04:00 horas, pegar o carro, rodar 36 km até o ponto de encontro (posto do ciclista/Texaco do Lago Sul) e, pontualmente às 05:00h o RogerBan passava no posto (ele vinha rodando de casa, uns 15 km) e pedalávamos 40 km, das 05:00 até as 06:30h. Eu pegava o carro e ia pra casa por a mesa pra minha digníssima tomar o café e o RogerBan pedalava mais 15 km até o destino dele. Forma uns três treinos com esse nobre colega. 120 km acumulados.
Com a colega e Amiga Érika foram três treinos, a saber: 86 km sendo que os dois ciclistas (ou aprendizes de ciclistas) rodaram de MTB (Extra N, L4 Norte, Lago Sul, Extra N); 54 km realizados no Lago Sul (eu de Speed e ela de MTB: que provalecimento....e sofri pra acompanhá-la eheheh) e o último (52 km do Extra N, Parque da cidade, Extra N) em pé de igualdade: ambos de speed...aí eu sofri de verdade...”etâ muié” que pedala. Com Speed ela ganha até do “velhinho que anda pra caramba numa Pinarello/PF3 azul” eheehehh.
Bueno, o restante que falta para fechar 900 km do treino/pedal realizados em 20 dias pré-Farrapos foram distribuídos em pedaladas ao amanhecer (das 05:30 – 07:30 horas) com um MTB adaptada para rodar no asfalto (pneus lisos), vespertinas e noturnas com Speed. Como foram esses foram pedais solitários, tornavam-se tão chatos que as distâncias percorridas nunca eram maiores que 40-50 km/dia.
Quando eu finalizei 900 km de preparação físicas numa quinta-feira (uma semana antes da prova) conversei com “velhinho que anda pra caramba numa Pinarello/PF3 azul” e perguntei se já era quilometragem suficiente e este me justifica que NÃO, deveria rodar até a véspera da prova. Eu já estava meio aborrecido de tanto treinar. Nunca havia treinado de maneira tão séria pra qualquer prova de Audax. Liguei pro “Dublê de empresário” lá nos pagos de Santa Cruz do Sul e esse, naquele jeito especial de ser, me garantiu que era suficiente e que ele próprio havia treinado/rodado uns 380 km. Aí eu fiquei mais calmo.
Li em algum post, acho até que foi o professor de educação física e amigo Rafael de Porto Alegre que escreveu, que é muito proveitoso pedalar 30km/dia ao invés de pedalar 150 km uma única vez no final de semana. E foi com metodologia que realizei a minha preparação/treino para o Brevet Farrapos MIL, haja vista que os treinos nunca tinham mais de três horas de duração e o mais longo foi de 86 km. A grande maioria teve duração de 1,5-3 horas e a distância média de 40 km. Infelizmente não houve tempo e oportunidade de realizar treinos maiores de 100 km em um único dia.

Sono, o grande vilão
Tirando os motoristas (carros, motos, caminhões e afins) acredito que seja o segundo pior problema/risco do ciclismo de ultra distância. Pode-se tomar café, cafeína, coca-cola, guaraná em pó, mastigar chicletes, “rebite” ou outras tantas porcarias (tem umas tão fortes que quase furam o estômago - uso só chimarrão, café e coca-cola, muita coca-cola ehehhh). Mesmo assim haverá um momento que essas porcarias perderão o efeito e a queda é quase que premeditada. Deve-se torcer para cair pro lado direito da pista (acostamento) se for o contrário pode ser melhor ou pior, depende das circunstâncias e do trânsito. Tem uns que preferem usar “buzina”, pedalar em dupla/trio e conversar (ou contar mentiras, depende...) o percurso todo. Chegar descansado à prova (dormir de modo adequado alguns dias antes da prova), não fazer horas extras antes da prova (deixe para depois da prova), e evitar sobrecarga de trabalho, também ajuda e muito.
Nada melhor que uma paradinha em alguma praça de pedágio, ponto/parada de ônibus e/ou banco de restaurante para uma “super dormida” de 20-40 minutos.

PRÉ-PROVA
Na chegada ao hotel, com todas as tralhas, já começou a alegria. Um monte de malucos reunidos em um único local e, por enquanto, ninguém estava fedendo eheheehehe....
Começou a distribuição do material do Brevet e já começaram as reclamações: “Qual o motivo que o Faccin quer ver o colete? Porque isso, porque aquilo...?” Passado o stress inicial veio o congresso técnico/briefing com todas as explicações do percurso. Foi destacado que nas provas anteriores (400 e 600km) houve a oportunidade de escolher e/ou definir o horário de saída de tal modo que os percursos/trechos mais perigosos pudesse ser pedalados em um horário mais compatível e seguro e, que durante o Brevet Farrapos MIL isso não seria possível, pois teríamos ciclistas passando pelos trechos perigos em horários diferentes, ou seja, entre o Pexe e o último (que não foi o meu amigo Lazary). Finalizado o brefing, fomos jantar. Uns colegas preferem dormir sem jantar, outros jantam antes do briefing. Eu, particularmente, acredito que o brefing vai até o final do jantar. Em qual o momento você vai conseguir reunir mais de 20 ciclistas malucos e ficar escutando um monte de “mentiras” ehheh? O jantar também é um momento social do Audax e, você desfrutar de ótima companhia durante esses minutos NÃO TEM PREÇO, pro resto tem Mastercard/Visa.

A PRIMEIRA PIADA DO AUDAX FARRAPOS MIL
Antes mesmo do jantar veio a primeira parte cômica do Audax. Teve um colega da cidade de Caxias do Sul, que utilizava um chapéu de russo, que não posso escrever o nome, pois me dou com o cara uma barbaridade, e que também não foi o Pexe, que ao sair do briefing, louco de fome, visualizou um veículo de marca Crysler, modelo 300 (era quase o carro do Batman), de portas abertas defronte a portaria do hotel. O nobre colega, pensando só no seu íntimo (na fome é claro), não imaginou que os seus pobres amigos ciclistas não tivessem dinheiro suficiente para adquirir um veículo daquele porte (coisinha barata, deve custar algo entre 150-180 mil reais) e, foi se abancando no assento traseiro. Ao sentar ao lado do primeiro executivo, ouve aquele olhar 43 em direção ao “maluco” do chapéu russo e um casado similar e, na seqüência sentou-se o outro cavalheiro ao seu lado. Fecharam-se as portas e ouve aquele silêncio momentâneo (na verdade deve ter durado um século ehehhehe).
Um dos executivos pergunta? “O Senhor também joga tênis?”
O ciclista responde, já pulando por cima do cidadão a procura da maçaneta da porta e tentando fugir do local o mais rápido possível: “Não, eu ando de bicicleta....com licença...boa noite senhores...”.

A PROVA
Primeiro dia: 30/07 o dia do meu aniversário (420 km)
São 02:45 h quando toca o despertador e eu achando que era alguém querendo me parabenizar pelo aniversário eheheh. Desço para o café com a bike. Ao pisar no segundo degrau vem o escorregão da sapatilha de speed e só não vira tragédia porque me apoio na bike (na verdade acho que caí por cima da bike e devo ter encostado na parede). Quase não tem ninguém tomando café....que gente mais apressada para pedalar, hein?
Já são 03:25 h e alguém avisa que falta cinco minutos (as provas do Dublê de empresário começam em horário britânico). Saí do hotel e fomos orientados a nos deslocar até o posto de combustível ao lado do hotel devido ao barulho provocado pelos candidatos a esfarrapados. Antes da largada, me posiciono ao lado de uma das melhores companhias do brevet, o meu amigo Erich. O diretor da prova (Miguel Lawisch, o homi que foi pedalando do Brasil até os EUA e enfrentou temperaturas de -15 oC) estava preocupado e perguntando sobre o paradeiro da “guria da bike”. Cadê a Érika? Ninguém havia visto a guria. Passam-se alguns minutos e como todos já haviam partido, deduzimos que a guria também já havia “queimado o chão”. Saímos no nosso ritmo ao encalço da turma e já nos primeiros 4 km “passamos” pelo Udo (o homi tava parado colocando mais um par de luvas). Aqui vai uma explicação: O Udo é um ciclista ímpar lá nos pagos do Rio Grande. É impossível comparar com qualquer outro mortal. O Udo já pedalou um brevet de 400 com um guarda-chuva, aliás foram 720 km de brevet, já que ele foi de Vera Cruz até Eldorado (160 km) de bike e, lógico, depois voltou pedalando; já pedalou 24 mil km em um ano (esse ano ele quer fazer 27 mil); entre outra façanhas. O fiel companheiro e discípulo do Udo, o Bughera foi batizado indo a primeira prova de bike (de Vera Cruz a Ijuí). Bueno, a história do Udo é outra Estória. Na seqüência ultrapassamos, o Mogens, o Lazary, a Lidiane (a guria da bike bonita pra caramba: uma Scott P5 híbrida) e a Gabi. Ao passarmos pro cima de uns tachões/tartarugas veio primeiro problema: o suporte com as caramanholas/garrafas d`água da bike do Erich, presas na parte traseira do selim, simplesmente quebrou e as garrafas voaram ao chão. Todo mundo nos ultrapassou e ficamos alguns minutos parados enquanto o Erich colocava uma das garrafas dentro do alforje preso ao quadro e a outra sob o corta vento.
Nisso chega a “guria da bike”/ Érika Fernandes Pinto. Seguimos os três e logo a guria ficou pra trás. Dentro da praça de pedágio aconteceu o segundo imprevisto: o meu celular simplesmente voou de dentro do alforje para o chão da praça de pedágio. E olha que ninguém havia ligado eheehe. A Érika nos alcançou novamente. Partimos em direção a Pantano Grande e na primeira subida a guria fica pra trás de novo e avisa que podíamos seguir, haja vista que já não éramos mais os últimos (já tínhamos passado o Mogens e Lazary, a Lidi e Gabi). Perguntei ao Erich se havia necessidade de pararmos em Pantano e me convenceu que sim (ele iria parar e eu não queria pedalar sozinho).
Chegamos no PA da Raabelândia (km 50) e avistei o Guru Osvaldo que se queixou do frio.. Ao entrarmos na lancheria o Erich fez questão de tirar uma foto, pois havia acumulado geada sobre a minha balaclava. Café básico (copão de suco de laranja+dois de chocolate quente) na companhia do Mogens, Lazary e Érika. Peço mais um chocolate quente pra viagem que foi cuidadosamente acondicionado dentro do camelbak caseiro e posto dentro do bolso da camisa.
Na subida após a Raabelândia conheci o Edson (que quer vender uma bike Scott híbrida) e fomos rodando os três (eu, Erich e Edson) até o PC do posto Frank. Lógico, como qualquer randoneiro que se preste, paramos em alguns pontos para tirar fotos.
Chegamos no PC do Posto Frank/Encruzilhada (96 km) “almoçamos” às 08:15 h da manhã: macarrão + molho branco + 2 copos de chocolate quente.
Partimos para Canguçu. Como as luvas de plásticos que eu usava sobre a luva grossa haviam rasgado, descartei na lixeira do posto e na primeira descida, o frio estava tão grande, que os dedos ardiam de frio. Depois do brevet eu fiquei sabendo o motivo: a temperatura mais baixa foi justamente em Encruzilhada (-1 oC e a sensação térmica andando de bike de -15 oC, dados e cálculo da Organização do Brevet). Paramos e coloquei a luva alternativa: duas sacolas plásticas sobre as luvas. Problema resolvido e partimos. Paramos algumas vezes para reabastecimento hídrico do Erich. No início da descida do Abranjo veio uma das partes mais bacanas do Audax Farrapos MIL: O Erich fez uma entrevista sobre o audax e filmou toda a minha descida pelo “coxilhão Abranjo”. Até o Pexe que gosta de velocidade iria gostar de ver o filme (ver filmagem em outras fotos do Erich Brack).
Paramos para tomar uma coca-cola no Bar e Armazém do Neto (buteco antes da ponte do Rio Canguçu). As duas garrafas ingeridas estavam com gosto de Pepsi (bebemos coca-cola vencida). Tiramos umas fotos e ao saímos para o asfalto chega a guria da bike. Questionei se gostaria que a esperássemos e ela insistiu que não, pois estava rodando muito devagar com a nova bike (speed). Seguimos rumo a Canguçu. A conversa foi rolando e comentei com o Erich que nos 400km, quando estava rodando junto com a Érika, o Pexe havia nos passado no sentido inverso (voltando para Santa Cruz) na subida da Coxilha do Fogo (e bota fogo nisso...foi uma fogueira subir). Passou-se alguns instantes e o Pexe passa no outro lado da pista, quase no mesmo local dos 400 km. Foram mais uns 20 minutos e passa mais uns 3 ou 4 loucos. Um deles, inconfundível, o Graxa. Depois fiquei sabendo que esse havia desistido só pra ser voluntário, e que voluntário prestativo, leva até café no quarto. Naquela altura o joelho direito começou a incomodar. Pô, foram só 180-190 km e o joelho reclamando? Ainda falta uns 820 km...
Antes do PC1 de Canguçu passaram no sentido oposto toda a gurizada: Faccin, RogerBan, Osvaldo e mais um lote que eu não reconheci. Chegamos, e fomos direto ao rango, ou melhor, ao que sobrou já que eram umas 15:11 horas. Quando estávamos finalizando chegou a Érika que não quis voltar conosco.
Partimos às 16:15 h rumo a Encruzilhada. Andamos uns dois km e o Erich reclamou do joelho e da altura do Selim. Paramos para ajustar a altura. Rodamos uns 200 m e ele me falou: O teu selim também está baixo. E respondi que era pouco provável, pois havia feito o bikefit em Brasília. Ele insistiu. Elevamos em um centímetro o selim. Rodamos mais uns 2 km e a dor no meu joelho sumira e, a do Erich também. Paramos novamente no buteco da coca-cola vencida. Duas cocas e partimos para enfrentar a subida do Abranjo. Passamos pelo Dacivaldo no meio da subida. Ao finalizar, paramos no lado esquerdo da pista (antigo PC dos 400 km) para aproveitar a ótima companhia do Miguel e na seqüência do Lazary e degustar um super café + chocolate quente. Fomos ao encalço do Dacivaldo que não havia parado no café 0800. Encostamos no Dacivaldo e logo em seguida paramos na varanda de uma casa iluminada para comermos algumas castanhas/amêndoas e barras de cereais, pois as reservas estavam baixas.
Chegamos em Encruzilhada e para nossa surpresa a janta era a mesma do café. Que falta de criatividade do cozinheiro. Seguimos até Pantano Grande/Raabelândia em pelote (Lazary, Dacivaldo, Erich e eu). Comemos alguma coisa e mais chocolate quente. Chegamos ao hotel em Santa Cruz (km 420) às 04:34h. Tínhamos a estratégia de dormir 3,5 horas e partir às 08:30 horas, em ponto.
Segundo dia: 31/07/2009 a volta na quadra (+225 km)
Ainda na portaria, de papo com o Miguel, tenho que atender o segundo celular do diretor da prova e sou informado pela Rosane (a primeira mulher a pedalar um brevet de 600km no Brasil) , eufórica, de que o Capitão Farrapo Faccin acabara de passar por Candelária.
Combinado é combinado, eu e o Lazary partimos no horário marcado (08:30h). Na saída para Vera Cruz (defronte ao trevo do Vida Nova), por preguiça de desclipar e aguardar o momento de atravessar a pista, resolvo ficar fazendo “voltinhas”. Foi na segunda “voltinha” que me enrosquei na bike do Lazary e o tombo clipado ocorreu. Se não fosse o Lazary, estaria enroscado e preso na bike até agora. Passamos por Vera Cruz e o Lazary começa a arrancar a roupa de calor. Eu permaneço com a minha (sorte...depois ficou frio pra caramba). Antes de Candelária o Erich nos alcançou. Ao passarmos pelo pedágio a Rosane está aos berros gritando: “Vai Mil, Vai Mil”. Emoção pura...deu até mais vontade de pedalar.
Ao chegarmos em Cabrais (km 480) encontramos o Guru Osvaldo todo embrulhado em um cobertor, tremendo de frio. Só descobri que era o Osvaldo pois as bikes tinham placas personalizadas. “No embrulho, só se via os olhos”. O amigo estava “malecho”, estava com um princípio de hipotermia. Como era apenas 11:20 h da manhã tomei um café básico: três pastéis e dois chocolates quentes. O Lazary e o Dacivaldo, que chegou logo em seguida, resolveram almoçar comida de verdade. Partimos lá pelo meio dia. O Osvaldão nos afirmou que já estava melhor e que iria esperar mais um pouco. Antes de Cachoeira do Sul fui informado do da primeira notícia ruim: O próprio Erich informou-me que iria desistir devido a problemas/complicações de saúde.
Segui firme com o Lazary. Ao passar pela cidade de Cachoeira eu vejo um muro com a pintura: “Inter, campeão de tudo” (menos da segundona, é claro). Aí, não me contive e perguntei ao amigo Luis Roberto apontando o muro: Lazary, você tem bom gosto pra futebol? E ele me respondeu: claro. Agora, Jonas, pergunte-me por que eu sou colorado. Lazary, porque tu és colorado? POR QUE O MEU PAI TAMBÉM FOI. Ai eu arrepiei.
Passamos a ponte do Fandango (não é o salgadinho, é a ponte de Cachoeira do Sul sobre o Rio Jacuí) e pararmos logo após para comer uma fruta. O Dacivaldo chega reclamando do pavimento, do vendo, da fome....Seguimos nós três e fomos ultrapassados pelo Udo e pelo Bughera. O Bughera rodou comigo até o PC3 Posto Papagaio (km 544) e chegamos às 15:39 horas. Fui almoçar e peguei, literalmente, as sobras do almoço. Depois do almoço ao pegar a bike, vejo o Isac/Caxias/jogador de tênis, digo ciclista e ao mesmo tempo escuto uma moça perguntar: “A Érika já chegou?” Eu que estava ao lado respondi: Olha, ela deve estar a uns 10-15 minutos daqui. Ela vinha logo atrás da gente. Você a conhece da onde? E ela respondeu: Eu sou a mãe dela.....
Ah.....muito prazer, Jonas. E, meio encabulado com a situação até meio cômica, partimos pela BR 290 rumo a Pantano Grande/Rabelândia (eu, Lazary e o jogador de Tênis).
Não pegamos vento contra (claro, pegamos todo o vendo lateral antes de chegar ao Posto Papagaio). No caminho o jogador de tênis/Isac insistia em andar na nossa frente. Paramos na Raabelândia e o Miguel nos informou da desistência do Osvaldo e Érika. Partimos para Santa Cruz.
Chegamos ao hotel (km 646) às 22:34h e optamos pelo plano B (dormir 3 horas em Santa Cruz e não dormir em Encantado). Banho, cama e café....não necessariamente nesta ordem.

Terceiro dia: 01/08/2009 Encantado e General Câmara (faltam + 380 km)
Se fossemos dormir em Encantado (plano A) chegaríamos no amanhecer do dia e ultra detonados. Partimos de Santa Cruz pontualmente 01:30, lógico, os atrasados ficaram pra trás.
Lá pelas 03:00, uns 30 km rodados (pista só pra ciclistas, rodamos bem no meio ehehee), só tinha o barulho das bike, o meu e o do Lazary, surge o Pexe do nada, atravessando a pista em nosso sentido. Tomei um baita de um cagaço...achei que era um a moto, por pouco não me jogo no barranco. Acho que o Pexe até desligou os faróis para gente não perceber a aproximação.
Lá por Venâncio somos alcançados pelo Isac e Dacivaldo. Seguimos firme até surgir dois problemas: o primeiro foi um “esperto/malandro/playboy/FDP” em um escort que ao ver os ciclistas no sentido oposto da via, atravessou a pista na conta-mão e jogou o carro em cima do ciclista Dacivaldo e logo após (mais atrás) vez o mesmo com o Isac. Eu e o Lazary tínhamos parado (para tomar umas boletas, digo guaraná em pó) e não vimos nada. Passado o susto veio o segundo: o sono começou a me dominar. Paramos no posto do Pedágio e dormimos 30 minutos no sofá mais confortável do mundo. Seguimos para Encantado rejuvenescidos e chegamos lá acabados (km 742) lá pelas 08:15h. Antes paramos no pedágio para tomar um café na conta do Udo e do Bughera, que já estavam voltando e, gentilmente pagaram o café. Um pouco antes de chegarmos em Encantado vimos alguns malucos voltando, entre eles o idealizador do evento/Capitão Farrapo e Dublê de empresário Luiz M. Faccin.
Ao chegar no hotel/PC5 encontramos “o ninja”/RogerBan em processo de partida. Tomamos uma super sopa de capeleti e pra variar um copão de chocolate quente e pé na estrada, pois ainda faltavam mais 290 km. Saindo da cidade e avistamos o “buzina”, Lidiane e o “Viking”/Mogens. Todos sorridentes.
Antes de chegar ao pedágio passamos pelo Ban (o Roger ele já havia perdido, com certeza) lutando com um pneu furado. Como ele já havia antecipado que não iria aceitar ajuda (estava treinando para o Endless Mountain/USA) nem oferecemos eheehh. Paramos no café pedágio e ficamos aguardando. O homi chegou, tomou o café e nem deu tchau....”se foi a lá cria”. Bueno, o homi tava tão mal, mas tão mal que uns 30-40 minutos depois o alcançamos antes ainda de Venâncio. Em um trevo antes de Venâncio encontramos o Kieling e o convidamos para almoçar no restaurante Casa Cheia.
Em Venâncio Aires, sofremos um atentado, desta vez provocado por um imbecil sentado atrás de um volante do ônibus número 1330 da Empresa Hélios, entre o km 5,5 e 6,0 da BR 453, no horário entre 12:30-12:45 h. O asno estava para entrar na rodovia, deixou os dois ciclistas (eu e Ban) passar do outro lado no acostamento e ao atravessar a rodovia fez questão de invadir o acostamento, jogando o ônibus sobre nós e entrando a direita uns 100 m a frente. Adivinhem o que a “autoridade” Estadual de Trânsito me disse quando fui narrar o fato e pedir orientação sobre o que eu poderia fazer? “ O senhor deveria ter feito uma ocorrência no dia do ocorrido. Agora não tem mais ao que fazer...” Dá pra acreditar nisso?
Chegamos ao restaurante Casa Cheia (que por sinal vive vazio) e fomos almoçar no restaurante anexo ao posto de combustível (BBBR: bom, bonito, barato e rápido). Tivemos o prazer de desfrutar da companhia do Henrique e Daniel (PC 5), Kieling, Miguel e Victor Matzembacher (ex-farrapo que “morreu” peliando no campo de batalha). Após o almoço passa o “buzina” e Lidiane. Fomos ao encalço e não os encontramos. Na subida das sete curvas passa um abusado com uma bike híbrida (é quase um empresário) gritando para aproveitarmos o máximo a subida que na volta estaria escuro ehehehe. Chegamos ao hotel PC6 (839 km) às 14:40h. Para nossa surpresa e alegria lá estava o nosso Guru Osvaldo (que fez uma super lubrificação na corrente da bike – obrigado Osvaldo) e o Graxa (este desistiu do brevet só pra ficar ajudando). Combinamos de partir para General Câmara às 15:30h. Banho e roupa seca. O Ban atrasou e ficou...partimos eu e Lazary também atrasados às 15:45h. Tomamos um café num posto de combustível e o Dacivaldo me pede uma cerveja...vê se isso é hora de tomar cerveja, tchê? Ainda faltavam uns 160 km de muito pedal. E ele me oferece...Queres um gole? É sem álcool. Quase que respondo: Sou homi, tchê. Tomo Cerveja com álcool hehehe. Nesse meio tempo passam por nós o “buzina” e a Lidiane. Nunca mais os vimos (só na premiação).
Antes de chegar ao PA do pesque-pague o meu joelho começou a incomodar e muito...o ritmo que já não era dos melhores e ficou pior. Chegamos ao pesque-pague, comemos o super macarrão e seguimos para General Câmara.
Chegamos ao PCC7 (posto controle do CAMINHÃO 7) às 21:26h (km 928) deu até vontade de dormir. Tinha um caminhão baú adaptado para receber ciclistas e, se fosse necessário, tirar um cochilo com dignidade (tinha beliche). O melhor de tudo foi encontrar o Rolf, Guilherme e Lisiane na maior alegria e paciência para agüentar os chatos/catatônicos que vinham chegando de bike. Tomei uma sopão, comi umas 3 fatias de pão caseiro, contei uns causos e tomei um café que era quase um petróleo de tão forte (Guilherme, só fui dormir dois dias depois eheheh). Saímos do PCC7 às 23:00h e começou a chover. Faltavam 89 km. Passamos pelo Isac, Ban e Mogens. A chuva estava fria.

Quarto dia: 02/08/2009 - General Câmara a Santa Cruz (faltam + 89 km)
A chuva era suave e fria. Chegamos ao pesque pague. O Miguel informou que se houvesse algum desistente não haveria mais carro e deveria voltar pedalando. Baita incentivo, hein?
Comemos um sanduíche e botamos o pedal no caminho. A chuva começou a engrossar e parece que ficou mais fria. Como eu fazia parte do time da Scott (jaqueta laranja) não tive problemas de baixas temperaturas e nem de umidade no tórax. Em compensação as pernas....com o frio a dor do joelho sumiu e eu sumi na frente do Lazary. Lá em Vale Verde eu parei para aliviar a bexiga e o Lazary chegou. Partimos para vender a “subidinha” do Vale Verde. Na metade da subida eu comentei com o meu amigo Lazary da incompetência do engenheiro responsável pela estrada em não aplainar a pista. Existe tanto lugar precisando de aterro e aqui nesta subida maldita está sobrando terra. Custava unir o útil ao agradável?
Chegamos em Passo do Sobrado, naquela estrada esburacada e sem pintura e, pra piorar a chuva parecia que tinha ficado mais fria ainda. Nas pernas o frio era grande. Finalmente chegamos a pista principal. Passamos defronte a lancheria Shuster (1000 km). Só faltava mais 17 km...os piores 17 km da minha vida. O frio estava muito forte nas pernas e o ritmo estava muito baixo. A sorte que não podíamos ver o odometro (até podíamos, era só ligar a lanterna da cabeça, mas melhor nem olhar). Devo ter vencido as sete curvas a uns 8-10 km/h. Começa a descida na outra ponta...desço freando só pra garantir a chegada inteiro. Entramos na cidade. Iluminação urbana e o frio desaparece. Deve ser o calor da chegada....
Chegamos ao hotel (1.017 km) às 04:21 horas. Pose para fotos e subo batendo queixo, perna, sapatilha. A bike ficou...acho que alguém guardou.
A intenção era tomar banho com roupa e tudo. Ligo o chuveiro e escuto as batidas na porta: toc, toc, toc. Abro e a surpresa: O graxa e a guria da bike vieram me cumprimentar. E me perguntam: Tu queres alguma coisa? Sim, respondo. Quero suas duas. Qualquer coisa pra comer e algo, não alcoólico e quente para tomar, preferencialmente em 10 minutos que é o tempo pra eu tomar banho. E veio?
Claro que veio. Já estava debaixo de uns 3 cobertores, tentando me aquecer, meio dormindo, quando fui “meio acordado” e escutei: Tá aqui “galo veio”, o teu pedido. Comi, bebi e desci para cumprimentar os dois últimos esfarrapados que estavam chegando: Ban e Mogens. Quanto a premiação? Isso é outro causo.
Vou fazer uma pequena explicação quanto ao termo gaudério “galo veio” que foi muito utilizado pelo colega Graxa. Diz a lenda que existia um galo pra lá de “véio” no galinheiro. Ninguém sabia explicar o motivo que o fazendeiro ainda não havia enviado o tal de “galo véio” pra panela. Ai apareceu um galo “novo” todo metido a galã e o abestalhado tinha que ir contar vantagem para o “galo véio”. O galo véio ficou escutando, na maior paciência e calma até que o galo novo provocou: vamos fazer uma corrida? Não posso, sou muito velho...Te dou uma vantagem de 3 metros. Aceito. Feito o acordo, partiram em disparada pelo galinheiro. Quando o fazendeiro viu a cena, sacou do 30 (na verdade .38) e sapecou chumbo quente no galo que vinha atrás (o galo novo). E gritou: “Não suporto ver uma galo todo musculoso, novo e frouxo perder uma corrida pra um galo “véio” deste jeito...” Moral da história: experiência e sabedoria valem muito.....
E a bike? Não treinei com ela, mas que pedalei os 400; 600 e 1.017 km com a melhor bike do mundo (Scott Sportster = híbrida) e, todo o “time Scott Sportster” finalizou o Brevet Farrapos MIL (Faccin, Lidiane e eu), ou seja, 100% de aproveitamento ehheeh.

E foi assim que um cidadão que usava a bicicleta somente para ir à padaria da esquina conseguiu fechar uma séria até 1.000 km na primeira tentativa.

E qual foi o resultado final:
Perdi duas unhas dos pés (dedões), três dedos das mãos estão lesionados (sem sensibilidade, com pouca movimentação e dormentes) causados pela trepidação, acumulei algumas rusgas familiares, mas fiz novas amizades e tenho ótimas lembranças das provas e dos amigos.
Muito obrigado a todos que participaram: organização, voluntários, ciclistas e torcedores e/ou incentivadores, aos que foram citados no relato ou aqueles que por algum motivo não citei.

Saudações Esfarrapadas a todos e que venha o PBP de 2011.
Jonas Ruschel

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